Que perspetivas se abrem quando fazemos da leitura do livro “Revista de Imprensa – os Mão Morta na Narrativa Mediática (1985-2015)”, organizado e trazido à praça por Adolfo Luxúria Canibal, uma análise crítica da Crítica? Vamos sabê-lo numa perspetiva crítica independente.

Mão Morta

Sob uma seleta de Adolfo Luxúria Canibal, o livro “Revista de Imprensa – os Mão Morta na Narrativa Mediática (1985-2015)” constitui-se como um documento sociológico importante sobre uma forma de exercer o nobre ofício da Crítica musical.

Acresce, o livro colige vários produtos culturais elaborados sob técnicas documentais de recolha de informação em torno da banda: assim, as notícias e os balanços anuais ou temáticos. Finalmente, reúne ainda técnicas outras, não documentais: a entrevista (sim, inclui a mítica de Fernando Sobral e a histórica de Pedro Ayres Magalhães), bem como aquela outra de efeitos especiais na observação direta a concertos. No entanto,

(…) por uma crítica da Crítica

vou ocupar-me apenas da recensão crítica selecionada por Adolfo Luxúria Canibal et alii, de 1985 a 2015, ao macrotexto musical da Mão Morta, pois toda a Crítica contém a sua própria crítica, mesmo a de divulgadores maiores de música, como Jorge Pires (Blitz, Expresso), Luís Maio (Blitz, Público), António Pires (Blitz), Ricardo Saló e João Lisboa (Expresso), Isilda Sanches (A Capital, Se7e, Independente) e Rui Miguel Abreu (Se7e), entre tantos outros.

Passo a explicar, como bom discípulo de Sigmund Freud: Nos textos de António Pires, a 19 do 2 de 1991, “Heróis do Mal”, publicado no jornal Blitz, ou de Isilda Sanches, “Poesia Negra”, saído a 13 do 6 de 1997, no Independente, como exemplos, sei mais dos sujeitos António Pires e Isilda Sanches, quando os leio, do que da banda-objeto. Como também saberão de mim, mais do que deles, no momento em que produzir uma crítica… da Crítica.

(…) cujo método de análise é, sobretudo, a Audição

De facto, o que penso caracterizar tal método de análise desses divulgadores maiores de música é, fundamentalmente, saber escutar. Não

de acaso. Curiosamente, Jorge Pires esteve convidado de uma sessão sobre a “Audição no Ciclo dos Sentidos”, da Livraria Almedina, no Arrábida Shopping (Vila Nova de Gaia), a 14 do 10 de 2011. E o crítico citado, na sessão, abordaria mesmo aquele sentido como fundamental para a perceção em nossas vidas. Jorge Pires e todos os críticos suprarreferidos, aliás, formaram o seu bom gosto a escutar grandes músicas, em programas de autor, concertos, discos…

Isilda Sanches declarou mesmo, em crónica no Observador, a 1 do 11 de 2014, haver a certeza de que ouvir o radialista António Sérgio teve um papel determinante no que faz, e como o faz. Tive o privilégio (assustador, na época) de começar a fazer rádio com os meus heróis, na XFM, dixit.

(…) que arruma os discos, como a livros (des)arrumados

A vantagem comparativa de ler a tais críticos, cuja formação de base, salvo uma ou outra exceção, não passou pelo conservatório ou uma escola de música, é a de trazerem um outro olhar, não menos importante, de academismos outros: tomando a nuvem por Juno, de Filosofia, em Jorge Pires, de Comunicação Social, em Isilda Sanches e Rui Miguel Abreu, de Teatro e Cinema, em António Pires, de Economia, em Ricardo Saló, de… de… de…

Sem dúvida, pensando em espiral, em torno do mesmo ponto,
esse olhar complementar é dotado de um pensamento que, mais do que dizer o objeto, revela o sujeito que o produz. Tal leitura e razão crítica continua a obra, preservando-o de mero arquivo, embora não raras vezes a catalogue e arrume em disco, nas prateleiras de velhas estantes, como a livros des_
arrumados.

(…) Da “Mão Morta”, disco homónimo, em argumento pelo exemplo

Passo a concretizar, com uma belíssima recensão Crítica. Sobre o primeiro disco dos Mão Morta, o franco-atirador Ricardo Saló, na revista do jornal Expresso, em 30 do 6 de 1988, começa assim: “A realidade é apenas uma e igualmente disponível para todos. Mas os olhos que a espreitam são muitos e diferentes. Mas cada olhar fixa aquilo que realmente quer fixar. Nenhum olhar é inocente. Não estou a inventar.
A música (…) é um jogo de olhares unidirecionais sobre a realidade (…) formando um desses espelhos onde ela (a realidade) se reflecte.”

Claro que Ricardo Saló não está a inventar. Numa linguagem altamente metafórica reproduz a teoria do fenómeno social total, que é a realidade una e uma, de Marcel Mauss e Georges Gurvitch, teoria essa que se aprende nos módulos iniciais de Introdução à Economia. Os olhares como perspetivas de cada ciência ou de cada analista/crítico sobre o mesmo objeto.

Para proceder à arrumação na sua volumosa estante, mais pensou Saló, de económica
mente, colocar relativamente perto, na mesma prateleira de discos da “big depression”, mas daquela outra autêntica, “importada de Manchester”, não a de grupos portugueses contemporâneos que a viveram em mera “pose” (sic).

Também longe da prateleira onde arruma a Delfins, Radar Kadafi, Mler Ife Dada, porque os Mão Morta não cantam “a luz e os prazeres (…), abraçando a realidade pelo outro lado, o lado obscuro”, num método que se percebe de arquivamento temático e não alfanumérico.

Texto CC BY 4.0 // Vitorino Almeida Ventura
Imagem CC BY 4.0 // Luís Freixo

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